Novas Economias para o enfrentamento das policrises do século XXI
Bem-vindos, caros leitore(a)s, ao cenário desafiador da policrise, termo usado por Edgar Morin para explicar um fenômeno que caracteriza o século XXI. Uma era de crises interligadas e sobrepostas. Pandemias, desastres climáticos, conflitos geopolíticos, instabilidades econômicas e desigualdades sociais não apenas coexistem, mas se retroalimentam, criando um emaranhado complexo de problemas que afetam o planeta de forma simultânea e interdependente, ou seja, sistêmica.
Diferente de uma crise isolada, a policrise representa um colapso multifacetado, onde cada choque intensifica o impacto dos demais, exigindo soluções que transcendam abordagens lineares ou fragmentadas. Estamos diante de uma nova realidade que desafia modelos tradicionais e demanda uma reinvenção profunda da forma como lidamos com a economia, a sociedade e o meio ambiente.
É sobre isso que vamos falar nesta coluna, sobre Novas Economias, novas formas de olhar os problemas e pensar soluções, cujo fundamento principal é o pensamento sistêmico e complexo. Não podemos mais tratar os problemas como fatos isolados, que podem ser resolvidos com modelos matemáticos. A realidade é muito mais complexa que isso, um acontecimento em um ponto do planeta, reverbera em outros tantos.
Inclusive, nesse primeiro artigo, quero trazer um panorama mais geral, mas a ideia é que a cada artigo nos aprofundamos em um tema dentro deste mundo das Novas Economias. Já antecipo que minha forma de escrita é bem interativa, e vou adorar ler os comentários, interações e dúvidas, que me levarão aos próximos temas. Então, não aceite as informações de forma passiva, interaja e vamos juntos nesse novo mundo que nosso século urge.
Preparado(a)s? Então vamos começar a falar de novas economias…
Vivemos em tempos de policrises – crises interconectadas que incluem mudanças climáticas, desigualdades sociais e pressões econômicas que ameaçam a estabilidade das vidas na Terra. Relatórios recentes, publicados nesse início de ano, como o Global Risks Report 2025, do Fórum Econômico Mundial, As custas de Quem: A Origem da Riqueza e a Construção da Injustiça no Colonialismo, da Oxfam e o Planetary Solvency Report 2025, destacam os perigos iminentes e a urgência de reestruturar nossas economias.
Só para exemplificar, conforme o relatório de 2024 do Serviço de Mudança Climática Copernicus, a temperatura média global excedeu em 1,6 °C os níveis pré-industriais, ultrapassando o limite de 1,5 °C estipulado no Acordo de Paris. Eventos climáticos extremos, como inundações, secas e ondas de calor, são apenas algumas das consequências diretas desse aumento de temperatura.
E como estamos falando sobre economia, vale trazer o estudo com um novo alerta sobre os riscos climáticos emitido pelo relatório Planetary Solvency – Finding Our Balance with Nature. O estudo projeta que a economia global pode sofrer uma redução de até 50% no PIB entre 2070 e 2090 devido a eventos extremos provocados pelas mudanças climáticas, como inundações, secas, incêndios florestais e aumento das temperaturas. Com cada ano de emissões crescentes de gases de efeito estufa, os impactos econômicos e sociais se agravam, evidenciando a urgência de mudanças sistêmicas para evitar perdas catastróficas no bem-estar global.
Mas não é apenas para a mudança climática que precisamos olhar, nessa policrise que vivemos, a mudança climática acaba afetando outros sistemas do planeta. O conceito dos nove limites planetários fala sobre isso. Esse conceito foi elaborado em 2009, pelo cientista Johan Rockström e sua equipe, que determinaram nove fronteiras/limites que funcionam como o “sistema de segurança” da Terra e sua transgressão coloca em risco a estabilidade planetária. Ultrapassar os limites dessas dimensões pode desencadear mudanças ambientais abruptas e irreversíveis. Nós já ultrapassamos seis desses limites, incluindo mudanças climáticas, perda de biodiversidade e interferências nos ciclos biogeoquímicos.
Além dessa crise ambiental, estamos vivendo também uma crise social grave. A desigualdade social e econômica estão em níveis alarmantes. Segundo aponta o relatório, As custas de Quem: A Origem da Riqueza e a Construção da Injustiça no Colonialismo, publicado pela OXFAM nesta semana, em 2024, surgiram 204 novos bilionários – uma média de quatro por semana – enquanto 3,6 bilhões de pessoas, ou 44% da população mundial, vivem com menos de US$ 6,85 por dia. Ao mesmo tempo, 10 bilionários aumentaram suas fortunas em US$100 milhões por dia, e 60% da riqueza dos bilionários provém de heranças e monopólios. Esse contraste revela um sistema que perpetua privilégios enquanto deixa a maioria lutar pela sobrevivência.
Será que diante desse cenário podemos dizer, realmente, que estamos promovendo “desenvolvimento econômico”?
Quando olhamos para o Sul Global fica nítido o quanto os países deste hemisfério estão enfrentando de forma desproporcional o impacto de crises econômicas e climáticas. Crises mais agravadas por dívidas impagáveis e cortes em serviços públicos essenciais, como saúde e educação. Desafios que perpetuam um ciclo de exploração e pobreza, especialmente entre mulheres e populações marginalizadas.
Sim, querido(a)s leitores, existe sim um recorte de gênero e raça nisso tudo, mas falaremos algumas colunas mais adiante.
O relatório The Global Risks Report 2025, do Fórum Econômico Mundial (WEF), destaca que temos hoje milhões de pessoas que enfrentam insegurança alimentar, falta de acesso à saúde e precariedade habitacional. Isso numa lógica econômica que prioriza o lucro sobre o bem-estar humano e a questão ambiental.
Diante desse cenário, percebemos que o modelo econômico atual não se sustenta mais. O planeta não se sustenta mais, e por isso precisamos começar a pensar e agir diferente. Não tem mais como continuar adotando essa lógica de extração de recursos naturais de forma desenfreada, como se os recursos fossem infinitos. Não são! E muito menos ignorar as questões sociais, e o bem-estar da nossa sociedade humana (e não humana).
É preciso abandonar a lógica que coloca o lucro acima de tudo e adotar um novo mindset econômico, que valorize a vida, a equidade e a sustentabilidade do planeta. E aqui entram essas Novas Economias. As Novas Economias surgem como alternativas ao modelo tradicional, propondo sistemas que respeitem os limites planetários e promovam justiça social e prosperidade para todos.
As Novas Economias nos oferecem a oportunidade de redesenhar nosso futuro. Elas rejeitam a lógica do crescimento infinito e colocam a vida no centro das tomadas de decisões. Adotar essas perspectivas significa construir um sistema mais resiliente, capaz de enfrentar as crises sociais e ambientais e criar um planeta onde todas as pessoas possam prosperar dentro dos limites saudáveis.
Afinal é o que todos queremos, certo? Até porque vocês já viram que essa história de colonizar Marte não vai acontecer.
E, como disse, sobre isso que vamos falar por aqui. Vamos trazer alguns conceitos e práticas sobre: Economia Donut, Economia Circular, Colaborativa, do Cuidado, Ecológica, Feminista, Bem Viver, Decrescimento e Pós-Crescimento e outras correntes que vêm surgindo, que chamamos de economia heterodoxa. Todas com esse olhar para as vidas humanas e não humanas, e os sistemas da Terra. Para podermos pensar em um planeta que preza pelo bem-estar social respeitando os limites planetários.
Espero ter vocês, leitore(a)s, nessa jornada. Porque uma andorinha só não faz verão, e precisamos de muitos com uma nova forma de ver e querer viver esse mundo. Com urgência! A ideia é não apenas trazer conceitos, mas práticas, inspirações e principalmente, provocações.