Além das ferramentas: o que um(a) GP precisa saber para atuar com Inteligência Artificial

Nos últimos anos, a Inteligência Artificial deixou de ser um tema profético e periférico para se tornar uma competência central em projetos de comunicação, marketing e publicidade. Ferramentas generativas tornaram-se onipresentes, ganharam popularidade, e sistemas preditivos passaram a integrar o planejamento de mídia e comunicação.

Num mundo em que a audiência mais disputada são alguns 30 segundos da retina de alguém, numa telinha na palma da mão, algoritmos passaram a influenciar desde decisões criativas até roteiros de produção.

Nesse cenário de transformação, o que o(a) GP precisa aprender para manter sua relevância nesse novo contexto?

A resposta não se resume a dominar ferramentas que automatizam rotinas chatas – as rotinas chatas são somente a base dessa gestão. Saber usar o ChatGPT para redigir um escopo ou o Midjourney para montar um moodboard não te torna um(a) GP apto(a) a trabalhar em projetos de IA. O jogo se torna extremamente interessante quando damos o play no cronograma e ele vira entrega.

É preciso entender uma nova lógica de produção, decisão e entrega, na qual o papel da gestão se torna ainda mais estratégico, interdisciplinar e, além dos impactos operacionais, sensível a impactos éticos e culturais. Como dizem por aí: são muitas camadas!

Enquanto um(a) GP com foco em tecnologia costuma priorizar automações e otimizações, o(a) GP com foco em IA provavelmente precisará de um super foco em aprendizado contínuo, em discussões que vão do KPI e tech até o LGPD.

Diferentemente de outras tecnologias digitais, a IA tem um funcionamento não determinístico. Ou seja: seus resultados não são completamente previsíveis, nem lineares. Ela aprende com dados, com contexto, com iterações. Em vez de uma sequência lógica e fixa de etapas, um projeto de IA exige ciclos de teste, validação, refinamento e reaprendizagem.

Para o(a) GP, é um jeito novo de trabalhar. Eu ainda estou no início da aprendizagem, curiosa e amistosa.

Essa mudança de lógica implica repensar completamente a forma de planejar prazos (vai mudar), escopos (serão alterados), entregas e expectativas (adivinha?). Metodologias como Agile, Lean, Double Diamond ou CRISP-DM (no caso de ciência de dados) tornam-se aliadas, mas só fazem sentido se houver compreensão real do que está sendo construído.

Afinal, a entrega de um modelo de machine learning funcional não é apenas uma questão técnica, mas também de negociação de acurácia, de debate sobre responsabilidade, de refinamento contínuo em produção.

O Repertório Técnico Importa (Mesmo sem Codar)

Não se exige que o(a) GP saiba programar em Python ou construir uma rede neural convolucional. Mas espera-se que compreenda os conceitos fundamentais: o que são dados rotulados, como funciona o treinamento supervisionado, quais as limitações de modelos generativos, o que significam métricas como precisão, recall, overfitting ou fairness. Enfim, ainda estou aprendendo, mas animada!

Esse vocabulário, ou melhor, seu significado, é a ponte entre times técnicos, criativos, legal e áreas de negócio.

Sem ele, o risco é cair em generalizações vazias ou decisões mal embasadas, como prometer prazos irreais, burlar alguma lei, não prever janelas de validação ou sugerir soluções que parecem criativas, mas que tecnicamente são inviáveis. Um(a) GP que domina minimamente esses fundamentos atua com mais autoridade e evita ruídos entre stakeholders com visões diferentes sobre o que é “sucesso” em IA.

Os dados deixam de ser apenas matéria-prima

Em projetos tradicionais, ideias e conceitos lideram. Em projetos com IA, além da criação, os dados moldam boa parte do caminho. A qualidade, a variedade e a representatividade dos dados são o verdadeiro núcleo do processo. Isso significa que o(a) GP precisa envolver-se desde cedo com perguntas como:

  • De onde vêm os dados que serão usados?
  • Estão em conformidade com a LGPD?
  • Há viés implícito na amostra?
  • Haverá curadoria humana ao longo do processo?

Ignorar essas questões pode comprometer toda a entrega. Ou pior: colocar a agência ou o cliente em risco reputacional. Não é incomum que modelos gerem respostas discriminatórias ou enviesadas simplesmente porque aprenderam com dados não auditados.

Por isso, o(a) GP deve garantir que haja planejamento para validação, acompanhamento e supervisão dos dados e dos outputs do modelo. IA não é um “produto fechado”; é um sistema que precisa ser mantido, supervisionado e melhorado constantemente.

Ética, Transparência e Responsabilidade: a nova tríade da gestão

A atuação do(a) GP em projetos de IA também envolve liderar conversas difíceis. Quando se automatiza uma decisão, seja uma sugestão de compra, uma análise de currículo ou uma geração de imagem, surgem novas camadas de responsabilidade:

  • Quem valida a saída do modelo?
  • Quem responde por uma ação tomada com base em uma predição incorreta?
  • Como garantir que o sistema não reproduza preconceitos? 

Grandes marcas já foram expostas negativamente por lançarem ferramentas com IA que reforçaram estereótipos, utilizaram imagens sem consentimento ou reviveram pessoas digitalmente. Uma área a se esbarrar quando falamos em IA na comunicação são os dilemas éticos. Nós estamos preparados para essa discussão em terras aonde ainda não existem leis, mas existe polarização?

O(a) GP que atua com responsabilidade é quem antecipa esses riscos, envolve jurídico e compliance desde o briefing, e garante que a inovação não aconteça à revelia dos princípios da marca.

IA além da estética: quando a criatividade exige gestão estratégica

Além da teoria, vale observar como a atuação de GPs tem sido determinante em campanhas de IA bem-sucedidas.

Quando falamos de IA em campanhas de comunicação, a tendência é imaginar apenas peças visualmente impactantes ou headlines geradas por robôs tagarelas. Mas o que diferencia as campanhas relevantes e de resultados reais do mero buzzword marketing é a inteligência organizacional por trás da operação criativa.

É nesse ponto que entra a gestão multidisciplinar, especialmente o papel do Planejamento e da Gerência de Projetos para orquestrar áreas que tradicionalmente não dialogavam com tanta fluidez.

Campanhas como “Jen AI”, da Virgin Voyages, que transformou Jennifer Lopez em uma assistente generativa capaz de personalizar vídeos para milhares de usuários em tempo real, só foram possíveis porque houve uma estrutura de projeto que uniu estratégia criativa, análise jurídica, tecnologia e dados sob uma mesma batuta.

O mesmo vale para o concurso “Million Dollar Whopper”, do Burger King, em que consumidores criaram seus próprios sanduíches com IA generativa. Para que isso acontecesse sem virar um Frankenstein publicitário, foi necessário orquestrar branding, jurídico, mídia programática e experiência do consumidor em tempo recorde.

Em outros projetos, como o comercial da Lexus escrito integralmente por IA ou o OLI, chatbot generativo criado para a cobertura das Olimpíadas de Paris, a IA não apenas atuou como ferramenta, mas como gatilho de reorganização dos fluxos criativos e técnicos.

Nesses contextos, a atuação do(a) GP vai além de planilhas e deadlines: envolve garantir curadoria de dados, métricas emocionais, aprovação legal e consistência narrativa. Tudo isso sem perder o ritmo da entrega.

Mais do que inovações técnicas, essas campanhas apontam para um futuro em que a IA exige menos encantamento superficial e mais inteligência de coordenação. Uma IA poderosa sem uma gestão humana estratégica é só uma gambiarra cara com um filtro bonito.

Os cases mostram que a IA não substitui a gestão, mas exige gestão em outro patamar. O(a) GP torna-se um(a) articulador(a) de valores, métricas, testes e fluxos que mudam a todo momento. Por isso, quanto maior o repertório profissional, maior sua capacidade de antecipar gargalos e liderar com confiança.

Curiosidade como competência

Em última instância, a IA exige do(a) GP uma postura de aprendizado contínuo. Essa não é uma habilidade “pronta” ou uma certificação pontual. É um campo que evolui constantemente e que exige curiosidade intelectual, escuta ativa e disposição para dialogar com engenheiros, designers, redatores e cientistas de dados em pé de igualdade. Muitos deles são profissionais que te viram do avesso quando você chega com um plano, apresentando um plano ainda melhor.

Ler sobre IA, acompanhar benchmarks, participar de pilotos experimentais, atualizar-se sobre regulamentações, tudo isso deve se tornar parte do ofício. Porque o(a) GP do futuro próximo não faz “apenas” a gestão de prazos × recursos × dinheiro: será um(a) facilitador(a) de tecnologias complexas, um(a) intérprete de sistemas dinâmicos, um(a) mediador(a) de decisões com impacto real.

Bibliografia recomendada

Designing Machine Learning Systems – Chip Huyen
(Guia técnico e prático de como estruturar projetos reais de IA, mesmo para quem não codifica.)

Artificial Intelligence: A Guide for Thinking Humans – Melanie Mitchell
(Introdução acessível e crítica ao universo da IA, excelente para não técnicos.)

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