O Manifesto Ágil da Publicidade: por um método que admita o caos
Toda agência tem um sonho secreto: ser organizada. Todo diretor sonha com processos claros, entregas no prazo e cronogramas que não desmoronem a cada mudança de briefing. Todo mundo quer “ser mais ágil”, “ter mais governança”, “rodar um Scrum bonitinho”.
E, invariavelmente, alguém diz: “Vamos implementar um framework de gestão de projetos.”
É aí que começa o desafio – e a frustração, que já ouvi de muitos GPs na industria de comunicação: “nenhum framework funciona nessa agência…”
O trabalho em comunicação acontece num ambiente que muda antes mesmo de você apertar “salvar”. O cliente revisa uma estratégia, o mercado muda a temperatura, o público reage de modo inesperado. O que parecia sólido, se move.
A comunicação é, por natureza, fluida, interpretativa e contextual. Ela depende tanto da mensagem quanto de quem a lê.
E é justamente por isso que tentar “implementar metodologias de prateleira” em agências quase nunca funciona. Não porque os métodos sejam ruins, mas porque foram criados para contextos previsíveis. E previsibilidade é um luxo que a publicidade raramente tem.
As origens do controle: Lean, Kanban e Scrum
O Lean nasceu na Toyota, no Japão do pós-guerra, idealizado por Taiichi Ohno e Eiji Toyoda.
A dor era clara: escassez de recursos e desperdício de energia humana. O país precisava se reconstruir com o mínimo possível, e a Toyota criou um sistema que priorizava eficiência, fluxo contínuo e aprendizado incremental. Cada movimento, cada peça, cada minuto era medido. O resultado foi uma filosofia que transformou a indústria: fazer mais com menos, eliminar o excesso e gerar valor contínuo.
O Kanban, que também nasceu na Toyota, surgiu como uma ferramenta de controle visual dentro dessa filosofia. Inspirado em cartões de reposição de estoque usados nos supermercados japoneses, o método permitia ver o fluxo de trabalho em tempo real. A meta era simples: reduzir gargalos, balancear demandas e impedir que as equipes ficassem sobrecarregadas. Era, essencialmente, um sistema de comunicação, mas dentro de uma fábrica, com peças previsíveis e linhas de montagem estáveis.
O Scrum nasceu nos anos 1990, nos Estados Unidos, dentro da Easel Corporation, pelas mãos de Jeff Sutherland e Ken Schwaber. A dor era outra: softwares levavam meses (ou anos) para serem concluídos, e, quando finalmente eram entregues, já estavam obsoletos. Sutherland e Schwaber buscaram inspiração no rugby, em equipes pequenas, autônomas e sincronizadas, para propor um modelo de trabalho que permitisse ciclos curtos, aprendizado rápido e correção constante de rota. Era o nascimento do conceito de timebox e da ideia de “entregar valor cedo e sempre”.
Todos esses métodos nasceram de dores reais, mas também de realidades baseadas em controle e mensuração. O chão de fábrica e o laboratório de software têm uma variável que a comunicação não tem: previsibilidade do produto final.
Um carro sai igual ao anterior.
Um código, uma vez aprovado, não muda por interpretação.
Mas uma campanha, um roteiro, um filme, um post… são construções que dependem de percepção, timing e leitura coletiva.
Comunicação: o produto que nunca é o mesmo
Na comunicação, muito do que entregamos não é tangível, mas é sim percepção. E a percepção não se controla, se interpreta. Ela depende do contexto, do repertório, do timing e da cultura do público.
Em outras palavras: mesmo a entrega perfeita pode ser entendida de outro jeito.
É aqui que o GP entra como figura essencial. O Gerente de Projetos nesse ambiente precisar ser um ponto de convergência entre quem pensa, quem cria, quem aprova e quem recebe. É um intérprete de intenções: o que traduz estratégia em tarefa, briefing em linguagem, expectativa em cronograma.
Enquanto um framework tenta criar regras fixas, na comunicação o GP cria traduções possíveis. Não se trata de aceitar o caos, mas de entender o tipo de caos com o qual estamos lidando: o caos da subjetividade, da multiplicidade de interpretações, da comunicação que precisa alinhar significados antes de alinhar datas.
Se métodos vêm da dor, quais são as dores da comunicação e como transformá-las em método?
As dores da comunicação são antigas e universais:
- desalinhamentos entre intenção e interpretação;
- retrabalho por falta de clareza, não por falta de esforço;
- excesso de versões que consomem energia e apagam o propósito original;
- dificuldade em manter coerência entre velocidade, consistência e criação.
Essas dores não são sinal de desorganização, mas de complexidade interpretativa. E talvez o papel do GP moderno seja justamente esse: criar mecanismos de entendimento dentro da fluidez.
Em outras palavras: usar boas práticas ágeis não para controlar o processo, mas para criar ritmo, transparência e convergência. O método deixa de ser um trilho e se transforma em uma bússola.
Manifesto Ágil da Publicidade
(ou: como gerenciar o caos sem perder o humor nem o prazo)
- Valorizamos pessoas mais do que processos.
Não porque os processos não importem, mas porque eles mudam a cada contexto. - Preferimos propósito a post-its.
Uma reunião com clareza vale mais do que dez status calls. - Acreditamos no improviso consciente.
Nem tudo precisa estar no cronograma, mas tudo precisa ter intenção. - Entendemos que a incerteza faz parte do método.
A diferença está em saber quando ela estimula e quando ela atrasa. - Não buscamos eficiência perfeita, mas aprendizado contínuo.
Porque as campanhas acabam, mas o processo de comunicar melhor nunca termina. - A comunicação interna é o verdadeiro backlog.
E a escuta é o único sprint que não pode ser pulado. - Não acreditamos em frameworks milagrosos.
Acreditamos em times que pensam, traduzem e constroem juntos. - Sabemos que nossa entrega final não é um sistema, é um significado.
Não produzimos parafusos, produzimos entendimento.
Nosso produto é o diálogo que acontece, o insight que conecta, a mensagem que faz sentido.E por isso, nenhuma planilha captura o que realmente entregamos. Como alinhar percepções limpando um Kanban?
O pulo do gato: boas práticas que funcionam no mundo real
Reconhecer que frameworks não se aplicam literalmente em agências não é rejeitar metodologia, mas adaptar o pensamento ágil ao tipo de produto que entregamos: comunicação. O GP que entende isso, deixa de tentar “implantar” um modelo de prateleira e passa a orquestrar entendimento.
Algumas práticas que realmente funcionam:
- Dailies curtas e objetivas: 10 a 15 minutos para mapear bloqueios e alinhar prioridades. Não é controle de tempo, é higiene de comunicação, é deixar todos na mesma página.
- Kanban de verdade: um quadro simples (Trello, ClickUp, Miro, mural físico) que torna visível o que está em andamento. Não serve para microgerenciar, e sim para que todos vejam o mesmo horizonte.
- Planejamento em ondas: visão macro trimestral, execução micro semanal. O horizonte inspira, o passo viabiliza.
- Checkpoints de entendimento: reuniões rápidas para revisar mensagem, não só status. Pergunte: “estamos falando da mesma coisa?” antes de “em que pé está?”.
- Backlog de aprendizados: registrar padrões de desalinhamento, soluções e boas práticas.Repetir erros significa que você não está criando memória processual.
- Ferramentas que criam clareza: Slack (ou outros chats) para conversas, Notion para registro, Miro ou Figma para visualização. Se a ferramenta atrapalha mais do que ajuda, ela não é ágil, é só ruído disfarçado.
- Rituais de revisão leve: 20 minutos semanais para checar a saúde da comunicação entre áreas. É manutenção preventiva do entendimento.
Essas práticas não são “metodologia”, são mecanismos de convergência. Pequenas estruturas que reduzem ruído, aumentam clareza e devolvem foco ao essencial: a entrega que faz sentido, no tempo possível, com o melhor entendimento coletivo.
Um “Manifesto Ágil da Publicidade” não é sobre aceitar o caos, mas sobre dar forma ao movimento.
Gerenciar projetos na comunicação é entender que o produto final não é um artefato, é uma ideia em circulação. Ideias que se transformam, se expandem e se ressignificam o tempo todo.
O papel do GP é garantir que, nesse percurso, o sentido não se perca. Que o que foi planejado, criado e aprovado mantenha coerência na jornada até o público, mesmo com mudanças ao longo do trajeto.
Não há vilões nesse processo. Há contextos, urgências, revisões e o desafio contínuo de alinhar propósito e entrega.
No fim, o verdadeiro trabalho do Gerente de Projetos no que parece o caos é manter a ponte de entendimento de pé, entre estratégia, criação, cliente e público. Pois se o sentido se perde, o projeto também.
E “talvez” esse seja o verdadeiro método ágil da publicidade: fazer o entendimento circular com a mesma velocidade com que o mundo muda.
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