Gerenciar é lidar com incertezas
Essa é uma realidade constante para quem trabalha com projetos criativos, mesmo que muitos ainda tentem manter a ilusão do controle total. A verdade é que o caos faz parte do processo – ele não é um erro ou um desvio, ele é o fluxo acontecendo. E mais do que reconhecê-lo, meu convite aqui é assumir o caos, entender como ele opera e encontrar uma forma de trabalhar com ele, em vez de tentar anulá-lo.
Rick Rubin, no livro O Ato Criativo, diz que criar é estar confortável na incerteza. Mas a gente sabe como é difícil estar “confortável” no meio de uma entrega gigante, prazo apertado, briefing amplo, cliente indeciso, expectativa de inovação e ego de equipe, tudo junto e misturado. E o detalhe é que isso raramente acontece em um único projeto. A sensação de caos vem justamente da sobreposição de tudo isso. Mas quando a gente aceita que esse é o cenário real, para de idealizar e passa a criar com mais realismo e, por consequência, com mais leveza também.
Se quisermos entender o que realmente acontece no dia a dia de uma produtora ou agência, basta olhar para uma estrutura triangular que se repete: a relação entre cliente > agência > produtora. São três olhares diferentes tentando atingir o mesmo objetivo, o que já é desafiador por si só. Internamente, essa triangulação se desdobra em projetos > atendimento > criação, por exemplo. O cliente busca inovação, o atendimento tenta traduzir e equilibrar, e a criação quer fazer aquela arte que vai ganhar Cannes. No meio disso tudo está quem faz a gestão dos projetos, tentando equilibrar todos os pratos ao mesmo tempo. Essa dinâmica é complexa, mas quando entendemos o tabuleiro em que estamos jogando, conseguimos criar estratégias melhores e abrir espaço para que as ideias fluam em vez de travar.
A criatividade precisa estar presente não apenas no que entregamos, mas em como entregamos. Ser criativo não é apenas pensar em uma campanha brilhante ou em uma estética inovadora, é também saber resolver os imbróglios no meio do caminho sem ser consumido. Usar a criatividade não cabe só a equipe de criação e criar não cabe só em estar dando vida a uma obra de arte que vai pra galeria, mas é também o jeito que você olha para as coisas. Ela mora no ato de tomar decisões criativas: como reagir a um erro, como ter uma conversa difícil, como lidar com o imprevisto. Criatividade, nesse sentido, é estratégia. É improvisar com propósito, é dar forma a algo mesmo quando as condições são instáveis. E isso exige intenção.
Mais do que criar, a gente precisa organizar com esse olhar. Isso passa por algumas escolhas simples, mas fundamentais: manter documentos vivos, que mudam conforme o projeto muda – documento que não muda, morre, e mata o projeto junto. Fazer alinhamentos claros e recorrentes, porque ninguém aqui tem bola de cristal. Criar cronogramas com margem de erro, porque o imprevisto vai acontecer e precisa estar previsto no fluxo. Uma planilha atualizada, combinados bem feitos e espaço pra respirar são o que sustentam um ambiente onde o caos criativo pode existir sem virar desorganização. É o que dá base segura para o projeto acontecer.
E por mais óbvio que pareça, isso tudo só se sustenta com uma comunicação clara. Comunicação é o que mantém um projeto de pé. Quando ela é falha, surgem ruídos, retrabalho, incêndios. Centralizar as informações, deixar combinados documentados, conseguir dar status honestos, tudo isso alivia a tensão e permite que as pessoas trabalhem com mais tranquilidade. E se algo atrasar ou travar, tudo bem – desde que seja dito. O problema não é o erro, é o silêncio. Ficar quieto deixa espaço para a criatividade entrar no lugar errado, criando histórias, inseguranças e ruídos.
Outro ponto importante: nem sempre o que o cliente diz é o que ele realmente quer. É preciso ouvir com atenção, peneirar e traduzir o que está sendo dito para uma linguagem que faça sentido para a equipe. Comunicação é afinar expectativas. É cuidar da mensagem para que ela seja compreendida por todos os envolvidos.
Tudo isso só funciona se houver uma base de confiança. E construir uma cultura de confiança transforma completamente a forma como uma equipe funciona. Quando há confiança, há espaço para autonomia. As pessoas sabem o que têm que fazer, têm liberdade para decidir e responsabilidade para entregar. Mas isso só acontece se a liderança for segura o suficiente para lidar com os imprevistos do caminho – porque a gente sabe, eles vão aparecer. Lideranças que surtam diante do primeiro obstáculo bloqueiam a criatividade. Já as que escutam, perguntam antes de responder e confiam na equipe criam um ambiente de fluxo. Criar junto é ajustar no caminho, é ter movimento, é entender que a força da criatividade está na capacidade de adaptação e não só no resultado final.
Outro dia ouvi o Snoop Dogg dizer, em uma entrevista, que existem momentos em que você precisa sentar no banco do passageiro, colocar o cinto e confiar em quem está dirigindo. E outros em que é a sua vez de conduzir e brilhar. Essa metáfora é perfeita para descrever a gestão criativa. Saber a hora de liderar e a hora de apoiar, a hora de improvisar e a hora de estruturar.
Porque o caos vai vir. Sempre vem. Mas a desorganização não precisa vir junto. Quando a gente aceita o caos como parte do processo e organiza o que é possível com inteligência, tudo flui com mais autenticidade e potência. E aí sim, a criatividade pode brilhar com os pés no chão.
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