Está na hora de refletirmos sobre nossas relações no ambiente de trabalho

Por Karen Hada* e Cristiano Ramalho**

Uma das primeiras experiências de trabalho em equipe pelas quais passamos remetem à época da escola quando éramos “convidados” a fazer os – em geral, mal-afamados “trabalhos em grupo”. Veja bem, não que o trabalho em grupo seja uma das nossas primeiras experiências de trabalho cooperativo – a cooperação, sabemos hoje, é (felizmente) muito anterior à escolarização e ao nosso processo de socialização -, mas ele, o trabalho em grupo, é uma das experiências iniciais no que diz respeito a um trabalho cooperativo minimamente coordenado, e que se parece com o que viríamos a repetir, em algum grau, na vida adulta.

Essa experiência dos nossos primeiros anos de escola, embora seja fonte de chacota, sem que soubéssemos naquela época, daria a tônica das formas de como nos relacionamos com os outros fora e dentro do ambiente de muito trabalho.

Relaxe, nada está sob controle

Muitos de nós vamos despender mais de cem mil horas de trabalho em nossas vidas. No Brasil, para se aposentar por tempo de serviço, temos, em média, um total de mais de setenta mil horas de trabalho. É muito tempo e é provável que haverá também muito estresse. Para piorar essa situação, nossos hábitos pessoais e aqueles que construímos juntos – a tal “cultura organizacional” -, adiciona uma carga extra de tensão à esse volume massivo de horas trabalhadas.

Grande parte do estresse que sentimos, especialmente ao trabalharmos em equipe, vem da nossa dificuldade de lidar com o imprevisível. Seja como líder/gestor (de projetos, como neste contexto) ou como membro do time, é realmente desafiador lidar com o fato de que não temos controle sobre “o quê” e “como” os outros (supostamente) deveriam estar fazendo.

Esse medo de não saber como as coisas vão sair, quando não bem digerido, colocam a gente na defensiva ou no ataque. Irritação e baixa tolerância a equívocos são sintomas desse modo de operar. Você já refletiu sobre as tensões que são geradas por esse estresse e que impactam você e o trabalho?

No ímpeto de querer fazer tudo dar certo, nós trabalhamos muito mais do que necessário.
E jogamos no outro essa carga que carregamos – com o mesmo peso que sentimos nos ombros -, contaminando aos outros e nos contaminando pelo humor gerado por essas tensões que se espalham naturalmente, e o pior: geralmente cegos sem percebermos onde a coisa começou, sendo que algumas vezes, começou por nós mesmos.

De que recursos internos dispomos então para lidar com a falta de controle das situações?

Flexibilidade mental conta

Pessoas diferentes lidam com questões de forma diferente. Para além desse cliché, o que pode ser realmente benéfico para a compreensão é o fato de que o modo como encaramos as coisas têm impacto real e mensurável na realidade. Acontece que esse aperto no peito não vem da situação propriamente dita – como nos mostra o experimento do milkshake – mas da forma como nos relacionamos com o fluxo das coisas.

Talvez tenha passado despercebido até agora para você, mas esse é justamente um dos pontos. O fato de que as coisas são, ou estão em fluxo. Numa metáfora cinematográfica: é um filme, não uma foto. “Ah é. É filme. Não é foto” é o nome do remédio que deveríamos tomar. Deveríamos colocar o despertador para tocar para nos lembrarmos de tomar esse remédio. Poderíamos colocar para tocar de 10 em 10 segundos porque nos esquecemos com uma frequência absurda. Quando você terminar de ler essa frase já vai ter esquecido. Daqui a 10 segundos você vai se lembrar de algo que precisa fazer e essa imagem na sua mente, ou essa voz, ou essa sensação, fará com que você se contraia. Pronto, esse é o sinal de que você esqueceu. Você ficou preso num ponto, num momento, na foto.

Esquecer nesse sentido é diferente de esquecer o número do nosso CPF depois de decorarmos. Esquecer comumente significa que se alguém perguntar, talvez com algum esforço, teremos a capacidade de trazer de volta à memória. Mas não é exatamente sobre esse esquecer que estamos falando aqui.

Aqui, “esquecer” significa que nos relacionamos com essa perspectiva (“Ah é. É filme. Não é foto”) de um modo intelectualizado, um pouco distante, quase blasé. Significa que a gente sabe, mas, no dia a dia, é como se não soubesse. Um exemplo clássico e radical disso é sabermos que vamos morrer, mas no dia a dia bem… é como se não soubéssemos.

Outro ponto é: nós realmente podemos nos tornar melhores no que se refere à desenvolver flexibilidade mental. Aqui flexibilidade mental se refere ao repertório de diferentes opções de respostas disponíveis em dada situação. A ciência hoje nos informa que essa capacidade, como outras que consomem um pouco da nossa energia, tende a ser “automatizada” de modo a diminuir nosso gasto energético em ações nas quais a nossa mente assume como “triviais”. Quem já voltou para casa com muito sono (ou bêbado) sabe como funciona. No dia seguinte você sequer sabe como chegou, por que caminhos passou, mas enfim, você chegou.

Estar flexível mentalmente implica em estarmos abertos e curiosos a respeito das situações nas quais nos encontramos, sem deixar que as nossas vozes críticas bloqueiem o processo, mas sem abrir mão dos nossos valores pessoais. Sabemos que é mais fácil dizer que fazer. Estarmos abertos ao que surgir à medida em que as coisas vão surgindo pode nos deixar mais inclinados a cooperar, mesmo em ambientes onde a competição dá o tom do trabalho.

Nascidos para cooperar

Pertencer a um grupo é algo inerente ao ser humano, e não importa onde estamos, para onde vamos, o que fazemos ou como conduzimos o trabalho. Criar uma identificação com um grupo (em nosso contexto, com uma área, departamento, grupo de trabalho) e reconhecê-lo, faz com que a gente se aproxime melhor das pessoas, mesmo que não seja para fazer parte, mas para pelo menos ter algum acesso a ele.

Aprender a acessá-lo tem a mesma importância quanto fazer parte de um grupo. Mas exige uma atenção maior. Essa atenção é além de enxergar, é aprender o quão benéfico é reconhecermos as individualidades, as características e as qualidades de cada pessoa. E para atuar em um grupo de trabalho, para gerir um trabalho, e realmente obter o ganha a ganha, não é só saber articular (até porque, dependendo da atuação, a articulação evolui à manipulação), é preciso saber construir em conjunto.

Se hoje em dia ouvimos, falamos e estudamos sobre ferramentas para se trabalhar melhor, ser mais rápido, mais assertivo e aqui neste canal somos especialistas e alunos bem dedicados neste tema, te pergunto: que tipos de rotinas, hábitos ou comportamentos podemos desenvolver e aperfeiçoar para que as dinâmicas de trabalho sejam realmente mais saudáveis, mais autênticas e que favoreçam um ambiente acolhedor e seguro para se trabalhar?

Sim, Gestor de Projetos, você também pode ter esse papel, e asseguro que é tão gratificante quanto todos os outros que você vem desenvolvendo!

*Karen Hada é formada em publicidade, sua carreira em agência passou por atendimento, gerente de projetos e hoje atua como diretora de operações. Atualmente é aluna da pós-graduação do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein – Cultivando o Equilíbrio Emocional nas Organizações (CEB).

**Cristiano Ramalho é professor do Compassion Cultivation Training – CCT ® pelo Center for Compassion and Altruism Research and Education – CCARE da Universidade de Stanford/Compassion Institute e do Cultivating Emotional Balance – CEB.


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