O preço da eficiência em nossas carreiras no mundo moderno do trabalho

Nos últimos anos, é comum se ver em meio a uma inundação de termos indicados como pertencentes a uma “carreira de sucesso”, como multitasking, produtividade, eficiência e ambientes de extrema pressão. Entendo ser necessário pensarmos e refletirmos sobre as intenções por trás de tal ranqueamento.

 

O impacto na saúde mental

A constante busca por eficiência, muitas vezes, deixa de lado um aspecto fundamental: nossa saúde mental. De acordo com pesquisas realizadas pela ISMA-BR (International Stress Management Association no Brasil), 30% dos trabalhadores brasileiros sofrem da Síndrome de Burnout. É alarmante pensar que essa condição é consequência direta da cultura do trabalho que vivenciamos – desde 2022, o Burnout é considerado pela OMS uma doença do trabalho.

Antes de falarmos especificamente sobre o mercado de trabalho em si, vamos olhar para quem, além das empresas, é parte essencial do sistema: as pessoas. 

Na consolidação da economia moderna juntamente ao boom populacional pós-Segunda Guerra Mundial, além das evoluções tecnológicas que ofereceram à sociedade uma forma diferente de se enxergar para o mercado de trabalho, começando uma transição em alguns setores do físico para o intelectual, com o passar das décadas foi se naturalizando a sobrecarga. Nós, brasileiros, fomos (e vamos sendo) influenciados pela cultura estadunidense sobre o glamour na relação com o trabalho. Muito do entretenimento que se consome hoje em dia tem a ver com trabalho — e se não tem, algum post do LinkedIn trará relações para que você consiga assimilar conceitos e os vincular à sua rotina profissional. Até mesmo séries que bombam trazem o mundo corporativo como palco para seus enredos.

 

O Mito do Multitasking

Abordagens mais incisivas sobre como nossa persona profissional deve agir indicam como direcionamento o “faça enquanto os outros estiverem descansando”. Como o modelo econômico é propício à competição, a orientação virou dogma e, como qualquer novo conjunto de regras que é incorporado à vida das pessoas, deixamos o que antes era precioso em segundo plano. Trocamos o descanso, o reabastecimento, a recarga pela necessidade competitiva de estarmos “melhores” do que outras pessoas. 

Em seu livro Foco Roubado, o escritor Johann Hari reflete sobre a incapacidade que nossa sociedade contemporânea tem em simplesmente focar. São muitos ruídos, impactos, pensamentos, hábitos e práticas que de longe parecem inofensivas, mas que oferecem super-estímulos para nossos cérebros que nos afastam da possibilidade de retermos mais informação, de aprendermos com harmonia e de nos equilibrarmos na perspectiva que faz parte errar para depois aprender. Sem foco, nós tomamos decisões precipitadas, olhamos para apenas uma parte do todo e reagimos com impulsividade ao invés de responder com assertividade. 

Esse tão sagrado foco, se pararmos para refletir, vai justamente na contramão do mercado atual (generalizando). É com orgulho que hoje muitos levantam a bandeira do multitasking como uma qualidade fundamental da pessoa profissional, mas será que o custo dessa tentativa é considerado? O economista Daniel Kahneman aponta que até conseguimos fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo, mas só se forem fáceis e com baixo nível de exigência. Se a complexidade for mais alta, teremos perdas na qualidade do processo. Como qualquer projeto que possui limitação de orçamento/budget, nosso cérebro possui também sua limitação, mas quanto à atenção. Muitos são os relatos de pessoas que trabalham demais, que possuem mais de um turno de trabalho na mesma agência, porque elas acreditam que esse é o caminho necessário para evoluir profissionalmente. “Todos na empresa fazem o mesmo, inclusive os seniores/chefes, por que eu não farei? Faz parte” é o mantra dos esperançosos trabalhadores em busca de, quem sabe um dia, ter um lugar ao sol.

Atropelamos, assim, nossa identidade pessoal em prol da profissional. Não é tudo a mesma coisa. Em teoria, somos mais leves pessoalmente. Mais amenos. Menos pressionados. Contudo, nessa mistura para se fazer parte do jogo, perdemos parte de nossas características e nos tornamos como alguém que só recebe os estímulos: ansiosos, sem foco e atenção, despriorizando nossa qualidade de vida e naturalizando comportamentos tóxicos para nós mesmos.

Procrastinação é uma palavra com conotação negativa hoje em dia, e isso é bem curioso. Ao mesmo tempo em que nosso cérebro precisa de momentos de relaxamento, tudo o que é indicado como “contraprodutivo profissionalmente” é taxado como nocivo. É claro que precisamos de momentos de descanso e de recarga, mas também urge a necessidade de não vivermos um dia após o outro (ao menos não se tratando do aspecto profissional), mas sim de aprendermos um dia após o outro sobre como nosso comportamento cotidiano enquanto pessoas profissionais precisa ser refinado para atender nossas necessidades emocionais e psicológicas antes de nos aliviarmos por mais uma entrega apertada no prazo que o cliente queria.

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O papel dos líderes e gestores

Como líderes e gestores de pessoas, especialmente em nosso mercado de comunicação e tecnologia, temos a responsabilidade não apenas de entregar projetos, mas também de cuidar de nossas equipes. 

É importante conhecermos e entendermos a ciência por trás do foco, da atenção, da neuropsicologia, para podermos orientar e direcionar o que acreditamos ser um conjunto de hábitos que fazem a diferença em nossas jornadas profissionais. Não precisamos ser especialistas, mas sim aprender com eles e nos adaptarmos para não cairmos no conto de que é preciso ser multitasking para conseguir ser um bom profissional, ou para deixarmos de falar com orgulho que adoramos trabalhar em ambientes de alta pressão. Aliás, o que de fato é o motivo da pressão?

 

Recomendações práticas

1. Atenção aos sinais: se mantenha atenta aos sinais de estresse e possível Burnout em você e em sua equipe.

2. Valorize momentos especiais: celebre conquistas, por menores que sejam. Isso ajuda a criar um ambiente positivo e motivador.

3. Priorize o bem-estar: é possível que um dia ou outro ultrapassem o horário padrão de trabalho. Faz parte. Mas entenda e encoraje momentos de lazer e descanso. A saúde mental deve ser uma prioridade.

4. Evite multitasking: concentre-se em uma tarefa de cada vez para garantir qualidade e eficiência. Se o contexto não te permite isso, algo não está certo e você deve levantar essa questão à sua liderança direta.

5. Promova a sociabilidade: embora o trabalho remoto tenha se tornado comum, busque promover encontros presenciais ou híbridos para fortalecimento de laços da equipe. Caso não seja possível, boas sessões de Team Building podem estreitar as relações.

 

Pra fechar

Em alguns anos olharemos para o cenário em que estamos hoje e poderemos analisar o ambiente com mais clareza. O mundo não se transformou em BANI à toa, e muitos ao nosso redor sofrem com ansiedade e fragilidade. A quantidade avassaladora de informações torna nossa forma de pensar não-linear e incompreensível. Enquanto o futuro não chega, resta a nós buscarmos mudança — se entendermos que faz sentido.

O intuito dessa postagem é promover reflexão para o que acontece ao nosso redor e também um olhar mais afiado para nossas vidas e comportamentos. Será que ao cobrarmos tanto que todos sejamos pessoas mega-eficientes, assim não também causamos impacto a saúde mental de quem vive nesse jogo duro, propagando regras agressivas simplesmente porque “nos disseram que é assim que tem que ser”?

Ao refletirmos sobre a cultura de superprodutividade, é essencial questionarmos: vale a pena sacrificar nossa saúde mental e segurança psicológica em nome de uma carreira de sucesso? A definição de sucesso é subjetiva e, para muitos, significa estar em paz consigo mesmo, evoluir profissionalmente e manter um equilíbrio saudável entre trabalho e vida pessoal.

Talvez seja o momento de redefinirmos o que realmente significa ter uma carreira de sucesso.

 

Referências: 

– Daniel Kahneman falando sobre multitasking (https://fs.blog/daniel-kahneman-explains-multitasking/)

– A Ciência por trás da Procrastinação, por Georgia Griffiths (https://www.arc.unsw.edu.au/blitz/read/The-Science-Behind-Procrastination#:~:text=If%20you%20do%20or%20see,feels%20better%20for%20your%20brain

– Livro Foco Roubado, de Johann Hari (https://www.amazon.com.br/Foco-roubado-ladr%C3%B5es-aten%C3%A7%C3%A3o-moderna-ebook/dp/B0C4G5B9Q6

– Livro Rápido e Devagar, de Daniel Kahneman (https://www.amazon.com.br/R%C3%A1pido-devagar-Duas-formas-pensar-ebook/dp/B00A3D1A44/ref=sr_1_1?keywords=r%C3%A1pido+e+devagar+duas+formas+de+pensar&s=digital-text&sr=1-1

– Síndrome de Burnout é classificada como doença ocupacional pela OMS (https://www.trt13.jus.br/informe-se/noticias/janeiro-branco-sindrome-de-burnout-e-classificada-como-doenca-ocupacional-pela-oms

 

 

 


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